domingo, 23 de setembro de 2007

O pesado vazio

O soco. Foi assim que senti. O punho fechado, rígido, venoso, vermelho, lento, cheio de ira, forte em minha direção. Já tinha sinais suficientes. Mas esperei. E por mais que esperasse, a decepção. Talvez seja esse o meu mal: esperar demais. E por esperar, não me movi. Aguardei o murro que eu sabia seguido do gosto de sangue na boca. Se era o vento que nos faria encontrar de novo, a força daquilo que nos separou por aquele momento (assim tenho tento quero acreditar) foi infinitamente maior.

A mão aberta, draga, os dedos enormes, inconvenientes vasculhando lá dentro. O vazio. De sempre. Que tento preencher ou manter com letras ou notas. Elas não me enchem. É só apagar a luz. Minha pior inimiga se dá conta de que a constante ausência - que enquanto a luz estava acesa adormecia ao embalo de dois gumes das letras e das notas - não foi embora, e avisa aos músculos, que apelam para as acelerações, que me tiram o sono, que me ativam a cabeça, que reforça o aviso, que. Ciclo do apesar.

E tentei preencher com você. O vazio que eu queria eu não tenho. Da alma. Que causa apatia, que dispensa a espera e a vontade, que cega, que anula, que impulsiona ao material e ao fugaz, que legitima a mentira e a soberba, que ignora, que permite a gula, que infla o ego, que causa a morte alheia, alheio a tudo.

Mas eu estou indigesto, por mais que não tenha comido nada nos últimos dois meses. A inexistência causa danos maiores e vorazes. O vômito quer vir a boca, mas não há nada além da viva alma-morte, placenta abandonada, que gera e degenera. Pior do que a porta não se abrir ou se abrir e não vir ninguém de lá é não perceberem que estou aqui dentro. No canto do quarto, vúlnerável, à espera. Invisível. Melhor não ter nada para comer do que se servir de vento, que se preenche, é volátil, foge fácil e rápido, não satisfaz. E a fome perpétua. O oco preenchido por larvas e revestido de seda.

As mãos violentas, armadas, cobertas, ladras, nada levaram, somente porque nada tinha. Se doam, retiram antes da posse. Talvez nem dêem e eu, na minha esperança, já tomo como próprio, com ocupação escolhida o vazio pesado. Só ampliaram a cratera, aumentaram o fardo, violentaram a alma e a deixaram de cama, incômoda, a cabeça roda, em rota, no travesseiro, a paz não vem. Uma pena. De chumbo. Não deixaram a alma vazia. Somente o pesar.